quarta-feira, 4 de setembro de 2013
Refila Boy em entrevista exclusiva ao Canal de Moçambique: “Já fui preso e torturado”
Refila Boy é um músico moçambicano polémico pelas letras das suas músicas de intervenção social, principalmente pelas críticas aos governantes e em particular ao presidente da República, Armando Emílio Guebuza. A sua mais recente música chama-se “Armandinho”. Em primeira mão ele explicou ao Canal de Moçambique a razão desta denominação. Já foi preso várias vezes por cantar o que o Governo não gosta de ouvir. Já foi torturado e ferido por cantar.
Refila Boy diz que se inspira nos acontecimentos marcantes da sociedade para escrever as suas letras, já tem cinco álbuns no mercado e uma carreira marcada por detenções e solturas que terminam tal como começam: sem nenhuma explicação plausível.
“Comecei a cantar há 10 anos e surjo como músico por estar cansado de ouvir músicas que não têm a ver com a nossa sociedade”.
O jovem músico de Chókwè, que está a ganhar projecção por ser um músico irreverente, da linha de Azagaia, falou ao Canal de Moçambique da sua carreira, da sua província, Gaza, e da governação do seu País: Moçambique. Siga a entrevista que o Canalmoz aqui replica.
Canal de Moçambique (Canal): - Fale-nos um pouco de si. Quem é Refila Boy?
Refila Boy - Eu sou um jovem normal como os outros, nasci e cresci na cidade de Chókwè, onde vivo até hoje. Comecei a cantar há 10 anos e surjo como músico por estar cansado de ouvir músicas que não têm a ver com a nossa sociedade.
Canal - Porquê não faz músicas, como muitos jovens seus contemporâneos, a falar de carros, mulheres e discotecas?
Refila Boy – Porque isto não tem nada a ver com a nossa realidade. Eu faço músicas com letras diferentes porque para mim isto é que é música de verdade, que tem conteúdo e as pessoas aprendem algo sobre a vida social. Penso que fazia falta este tipo de artista.
Canal - Como é recebida a sua música em Gaza, província tida como bastião do partido Frelimo, no poder?
Refila Boy - A minha música sempre foi bem recebida, o povo nunca a rejeitou. O povo pode ser apoiante do partido no poder, mas não está a favor de atitudes de alguns dirigentes.
Na verdade, quem não gosta das minhas músicas são os dirigentes. Estes, sim, tudo fazem para que as minhas músicas não sejam ouvidas.
“Fui preso em pleno espectáculo, a cantar”
“Prendem-me e soltam-me quando entendem”
Canal - É verdade que já foi preso?
Refila Boy - Sim. É verdade que já fui preso por causa das músicas que canto, alegando que falo mal dos governantes.
Canal - Quantas vezes foi preso?
Refila Boy – Foram várias vezes. Mas as mais marcantes foram três.
Canal - Porquê essas três vezes o marcaram?
Refila Boy - Nunca havia sido preso e em 2008 fui detido pela primeira vez e passei seis meses na cadeia; Há o caso de Chibuto, que teve repercussão pelo País. Fui preso em pleno espectáculo, a cantar.
A outra foi marcante porque o povo uniu-se para exigir a minha libertação. Mas todas as detenções foram humilhantes. Eu era algemado e escorraçado como se fosse um criminoso.
Canal - Nestas detenções já sofreu algum tipo de agressão por parte da Polícia?
Refila Boy - Sim, em Chibuto. Não sei contar muito bem o que se passou, mas lembro-me que fui torturado e tive ferimentos.
Canal - Como é que foi libertado em todas as vezes que foi detido?
Refila Boy -Temos um Governo muito estranho, difícil de saber como funciona. Muitas vezes entre os governantes entendiam-se, chegavam a um consenso e libertavam-me. Do nada tiravam-me da cadeia.
Canal - Então nunca chegou a contratar um advogado para lhe defender?
Refila Boy - Nunca. Por exemplo, na última vez que fiquei preso, durante 2 meses, como eu já havia dito, o povo teve que intervir. Estávamos em tempo de eleições e as pessoas saíram à rua, foram até à esquadra exigir a minha libertação e ameaçavam não ir votar. O secretário distrital do partido no poder falou com o comandante para libertar-me. Posso dizer que o meu advogado é o povo.
Canal – Acha que estas detenções ajudaram-no a ter popularidade?
Refila Boy - Não me ajudaram. Os que fizeram aquilo tinham como interesse intimidar-me e denegrir a minha imagem.
“Somos forçados a gostar dum Governo que não gosta do povo”
Canal - Com tudo o que lhe acontece, não pensa em mudar a linha das letras das suas músicas?
Refila Boy – Não!!! O meu objectivo é ver o povo livre, a viver a realidade e a democracia. Somos forçados a gostar dum Governo que não gosta do povo. Principalmente em Gaza as pessoas não sabem por que razão vão votar e muito menos a importância do seu voto. Eu vou continuar a despertar as pessoas.
Canal - Tem apoio da sua família?
Refila Boy – Sim, tenho! Eles apoiam-me, mas ficam com medo que me aconteça alguma coisa. Eles entendem o que eu faço.
Canal - Donde vem a inspiração para escrever as suas músicas?
Refila Boy - Tenho cinco álbuns e todos são inspirados em acontecimentos marcantes do País, o quotidiano dos moçambicanos. Diria que não sou diferente de jornalista. Um acontecimento marcante, eles escrevem e eu canto.
“Actualmente não temos pai, mas, sim, um padrasto”
Canal – Uma sua música mais recente é intitulada “Armandinho”. Quem é “Armandinho”? Quer nos falar um pouco desta música?
Refila Boy - Isto eu deixo para a consciência de cada um, qualquer pessoa pode decidir quem pode ser “Armandinho”. Acredito que as pessoas sabem de quem estou a falar naquela música.
Canal - Qual é a mensagem da música “Armandinho”?
Refila Boy - A música fala da morte do jovem Mido Macie na África do Sul e a passividade do nosso Governo em relação ao caso. Se fosse um sul-africano a ser morto daquele jeito em Moçambique eu não sei onde estaríamos. Um País antes de respeitar o estrangeiro deve respeitar o seu povo. É assim que acontece noutras partes do mundo. Era assim no tempo em que tínhamos um pai, o saudoso Samora Machel. Actualmente não temos pai, mas, sim, um padrasto.
“Quero que o povo acorde para a realidade do País”
Canal - Acha que a mensagem das suas músicas consegue chegar ao povo?
Refila Boy - Penso que sim! O que me interessa é que a mensagem chegue ao povo e isto está a acontecer. Pode até não chegar aos dirigentes do topo, mas para a camada que eu quero atingir as mensagens estão a chegar.
Canal - Porquê tantas críticas ao Governo do dia?
Refila Boy - Eu quero que os dirigentes reconheçam o povo como seus próprios filhos. Os nossos dirigentes não respeitam o povo, só sabem usá-lo como “minhocas” para pescar o voto. Quando estamos em tempo de eleições é que nos respeitam. Só quero que o povo acorde para a realidade do País.
O povo e muitos dos dirigentes só sabem agradecer e elogiar ao “chefe”. Passam a vida a “lamber as botas” do presidente como se tudo estivesse bem.
Canal - Acha que o povo não tem liberdade para se expressar?
Refila Boy - Actualmente não! Este é o único Governo que eu já vi em Moçambique em que o povo não fala. Nas presidências abertas, por exemplo, as pessoas que são dadas a palavra são escolhidas antes para falar das coisas boas, e as coisas más não são conhecidas. Como é que um presidente pode governar assim? Não é possível!
Canal - A sua música toca nas rádios?
Refila Boy - Em algumas rádios não passa, mas em outras toca. Isto não é problema porque o povo tem comprado os discos e a minha música chega longe. A prova disso é que tenho feito muitos espectáculos dentro e fora do País.
Canal – Sabemos que agora conta com assistência e apoio da Dra. Alice Mabota e da Liga dos Direitos Humanos. O que podemos esperar desta relação?
Refila Boy - É claro que algumas coisas vão mudar para melhor. Ter este apoio faz-me sentir num ninho, com uma mãe ao lado. Será uma mais-valia para a minha carreira.
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